O setor de comércio e serviços do Estado de São Paulo poderá ter a
demissão de até 1,5 milhão trabalhadores em razão da crise econômica e
dos fechamentos trazidos pelo avanço do novo coronavírus. A estimativa é
do presidente da Facesp (Federação das Associações Comerciais de São
Paulo) e da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), Alfredo Cotait
Neto, que calcula que entre 10% e 20%, dos mais de 9 milhões de
funcionários dessas áreas, perderão o emprego.
Aos 73 anos, o engenheiro e empresário afirma que a situação é “muito
delicada” e que as empresas já começaram o processo de demissões e de
fechamento. “É triste o que está ocorrendo”, avaliou, em entrevista ao R7.
Neto, que é filiado ao PSD, afirma que o setor quer voltar ao trabalho
ao fim dos 15 dias de quarentena impostos no estado de São Paulo — até 7
de abril — e que isso ajudaria a salvar empresas e empregos. Admite,
contudo, que a volta deve ocorrer sem atropelar as orientações
sanitárias de combate à covid-19.
Para o empresário, houve falta de planejamento das autoridades para se
chegar a uma situação de fechar o comércio de uma hora para a outra.
Agora, caso a decisão seja manter a quarentena, contrapartidas são
necessárias “para evitar que todo mundo quebre”, defende. Veja trechos
da entrevista:
R7- Como está sendo o impacto dessa crise no comércio?
NETO - É uma situação extremamente delicada. O
problema começa com a falta de coordenação. Existe um descompasso entre a
esferas federal, estadual e municipal. As ações teriam que ter sido
planejadas anteriormente a uma paralisação. Esse caso já estava sendo
conhecido desde a China. Era papel dos nossos governantes se reunirem e
criarem um gabinete de crise para que antes de fazer as paralisações
eles já apresentassem quais seriam as medidas que permitissem isso. Mas
eles simplesmente mandaram fechar o comércio.
Concordamos porque achamos que o mais importante são os cuidados da
área de saúde. Esse isolamento é fundamental para que não haja a
propagação exponencial do vírus. Porém, não foi dada nenhuma indicação
para o comércio de como poderia se manter vivo. Nenhum estabelecimento
comercial sobrevive a 15 dias fechado. Nós somos 420 associações
comerciais no estado, mais de 300 mil empresas associadas. As micro e
pequenas empresas vão quebrar porque não têm uma reserva de caixa.
Para se ter uma ideia, quando é criado um feriado, eu sou acionado para
tentar negociar com as autoridades para ver se o comércio pode abrir
porque aquele dia faz falta. Quantas vezes não brigamos para abrir ao
domingo. Isso ajuda a empresa a cumprir seus compromissos. Funcionários,
fornecedores, impostos. Como você vai conseguir dar conta de tudo isso
se você só tem o custo?
R7 - Qual está sendo o impacto no emprego?
NETO - Na economia formal, o desemprego já está
acontecendo. É instantâneo. O empresário não tem como ficar aguardando.
Ele prefere dispensar do que ficar numa situação de nem poder pagar o
funcionário. Numa previsão mais otimista, nós vamos ter na área de
serviços um crescimento nulo, mas na mais pessimista uma regressão de
6%. O comércio é mais atingido que os serviços. Os restaurantes estão
totalmente fechados.
Vamos ter um desemprego no Estado de SP de 1 a 1,5 milhão juntando
comércio e serviços. O que representa de entre 10% e 20% dos
trabalhadores do setor, que são 6 milhões nos serviços e 3 milhões no
comércio.
Na economia informal, a situação é ainda pior. Os informais, autônomos,
os que fazem o bico, vivem do dia a dia. As contas estão vencendo e as
pessoas não têm dinheiro para levar para casa.
Saiba como se proteger e tire suas dúvidas sobre o novo coronavírus
R7 - As medidas já anunciadas pelo governo federal, como
adiamento de pagamento de impostos e facilitação de férias ajudaram? E o
anúncio desta sexta (27), sobre uma linha de crédito para financiar
salários por dois meses?
NETO - Em relação às primeiras medidas, ajudam, mas
ainda são insuficientes. Ainda preciso estudar melhor as novas medidas e
ver como isso vai chegar lá na ponta, no pequeno empresário, que
realmente precisa de socorro.
A verdade é que vai todo mundo perder nessa crise, ninguém aqui está
querendo ganhar. A gente tem que ter perdas que possamos aguentar, não
as que deixem o empresário aleijado.
R7 - O setor se prepara para a possibilidade de que a quarentena se prolongue em São Paulo?
NETO - Até 7 de abril, vamos respeitar porque foi uma
medida sanitária correta. Se o governo quiser postergar, queremos saber
do governo, primeiro, quem vai pagar os salários, se vai haver ou não a
postergação dos impostos, obrigações acessórias, dívidas bancárias, a
desoneração da folha de pagamento e assim por diante. A gente quer que o
governo defina um programa claro para que as empresas, caso continuem
fechadas, possam sobreviver. Se você mantiver o fechamento e não
oferecer nenhuma contrapartida, todo mundo vai fechar.
Caixa reduz juros e estende prazos de pagamentos de dívidas
A secretaria da Fazenda de São Paulo, por exemplo, não nos responde se
vai postergar o ICMS. Assim como o governo municipal precisa postergar o
IPTU e o ISS por um período equivalente. O que não pode é eles quererem
receber e não deixar as empresas com sua liberdade de poder exercer sua
atividade comercial.
R7 - Mas agora seria melhor voltar ao trabalho ou manter fechamento recebendo ajuda?
NETO - Essa é uma decisão que caberia para um
estadista. Para nós, é evidente que quanto antes o setor voltar a ativa,
você minimiza ao máximo a situação das famílias em termos econômicos.
Mas precisamos olhar também a parte sanitária. Um líder seria aquele que
conseguisse equilibrar a situação da saúde com a situação econômica e
desse um norte para que isso pudesse ser feito. Ou seja, alguém que
tivesse planejado isso antes.
R7 - Dá para fazer um novo planejamento a partir de agora, apesar do atraso?
NETO - Daria. Em vez de as autoridades estarem
brigando, discutindo entre si, poderiam sentar e fechar uma estratégia.
Têm que abandonar o modelo liberal e entrar com o modelo keynesiano. É
pedir para o Estado assumir e abrir o talão de cheque. Paciência se você
vai estourar os seus déficits, os seus limites. Se o Estado não injetar
os recursos na economia, você vai quebrar o país, não tem jeito.
R7 - As vendas online estão ajudando a minimizar os efeitos da crise?
NETO - Essa é uma parte hoje considerável, representa
quase 15% do volume de vendas. Numa situação como essa é uma ferramenta
importantíssima. Porém, uma compra, que antes levava dias, hoje leva
duas semanas para entrega. O sistema está abarrotado de pedidos, não dá
conta. Há também vários estabelecimentos vendendo comida e que se
beneficiaram do sistema de entregas por aplicativo. As vendas pela
internet são o que está salvando um pouco agora, mas você não pode usar
isso como uma solução de longo prazo para o setor.
R7 - Já as compras feitas em grande parte por impulso e que não têm tanto peso nas venda online sofrerão mais, certo?
NETO - O varejo já não começou o ano muito bem. Havia
uma expectativa de melhorar agora no mês de março. Aí veio esse
fechamento. O varejo está completamente destruído. Setor de roupas e
utensílios, é triste ver. Eu recebo telefonema de empresários que
lutaram a vida toda pedindo orientação, e eu não tenho resposta. Hoje eu
sou um depositário de lamentações.
R7 - Como fica a questão como aluguéis devidos pelos comerciantes? Vai ter muita briga na Justiça?
NETO - Eu acho que vai haver bom senso porque atingiu
todo mundo. Como a loja pode pagar o aluguel do shopping se não faturou?
E a maioria dos aluguéis é sobre o faturamento. Como ela paga o
condomínio e as outras despesas? O que vai ter que ter é acordo,
parcelar as dúvidas. Se não ninguém vai receber nada.
Fonte/pesquisa/créditos: https://noticias.r7.com/sao-paulo/federacao-do-comercio-em-sp-preve-1-milhao-de-demissoes-na-crise-28032020